terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A PSICOPEDAGOGIA NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR


Relato de experiência: Salas de Apoio Psicopedagógico nas Escolas Municipais de São Sebastião

Iara Gambale – psicopedagoga, supervisora do trabalho


Inúmeros teóricos e estudiosos têm se debruçado, nas últimas três décadas, sobre a atuação da escola pública. Inserida no seu tempo, ela vê, no seu trabalho, reflexos dos desequilíbrios dos quais padece nossa sociedade.

A tarefa de passar do pensamento à ação tem sido atropelada, invariavelmente, pela rigidez da burocracia que envolve o sistema público de ensino. Iniciativas de valor têm sido inviabilizadas pela inconsistência e fragilidade das ações: a distância entre o discurso acadêmico e as salas de aula tem se mostrado, muitas vezes, intransponível.

Entretanto, a proximidade das instâncias de decisão e execução, que tiveram início com a municipalização do ensino fundamental, tem sido decisiva para o surgimento de propostas que contribuam para o enfrentamento das dificuldades de ensinar e de aprender que tem permeado nosso sistema público.

O município de São Sebastião (São Paulo) tem, através da Secretaria de Educação, demonstrado sua preocupação que se traduziu, entre outras ações, na criação, em 2001, de 9 Salas de Apoio Psicopedagógico em escolas do município. Para o trabalho nas SAP foram designados professores do ensino fundamental especialistas em Psicopedagogia e que passaram a trabalhar num regime de 40h/semanais.

Inicialmente, o olhar dos psicopedagogos dirigiu-se aos alunos, que ainda não dominavam os processos de leitura e escrita, atendidos em sessões individuais ou em duplas. De 2001 a 2003 o número de Salas de Apoio passou de 9 para 21, e os alunos atendidos de 157 para 460. Até o final de 2.003, foram reintegrados ao seu grupo classe um total de 280 alunos.

Surge a questão, tabu para muitos: clínica na escola?

MACEDO(1999) nos chama a atenção, quando afirma que “A explicação para o fracasso não elimina o fracassado que precisa de nós, agora.” A atuação dos psicopedagogos junto aos alunos se constituiu como reconhecimento de que a situação exigia ações urgentes. Para o aluno, que há três ou quatro anos não consegue alfabetizar-se, não há tempo de esperar novas políticas educacionais!

O olhar psicopedagógico, inaugurado com o advento das SAP, possibilitou que se confirmassem as palavras de PAIN(1996) que diz ser a escola um local onde se promove não só o conhecimento, mas também a emergência de sujeitos. Muitos dos alunos tiveram, em seus atendimentos, a primeira possibilidade de serem ouvidos na sua singularidade e de se experimentarem sujeitos. Não seria exagerado afirmar que tem sido difícil, para a escola, reconhecer que o aprender é uma construção singular que cada sujeito faz a partir do seu saber para transformar informações em conhecimentos.

FERNANDEZ(2001) afirma que “ A psicopedagogia é a produção de tempo para que o sujeito possa inventar-se pensante.” A sociedade, a escola e a família dirigem suas ações remetidos ao tempo cronológico – mensurável e exterior aos sujeitos. Cada dia mais, somos capturados pelo cronômetro, ao qual estamos, obrigatoriamente, submetidos. É impossível negar a fluidez das horas. Cabe, entretanto, à psicopedagogia reconhecer que o tempo do sujeito é lógico: não linear, interior, não mensurável e, ainda, imprevisível. O tempo de compreender, de aprender e de saber só acontece “do lado de dentro”, e isso não é determinado pelo calendário escolar. Pode sim, ser facilitado na medida em que sejam criados espaços de possibilidade para a emergência de alunos/sujeitos.

Os alunos atendidos, marcados por múltiplos insucessos, beneficiaram-se com um trabalho que revelava, aos poucos, a multiplicidade e a complexidade dos fatores que envolvem o não aprender. Reconhecendo que o desejo de saber é algo que caracteriza o humano, os psicopedagogos aceitaram o ritmo próprio de cada um deles, aceitaram o limite e acreditaram na mudança possível. Trabalharam buscando significar a aprendizagem, estabelecendo relações com as histórias de vida daquelas crianças, conferindo um colorido particular àquilo que lhes era oferecido para aprender. O espaço de confiança, inaugurado pelas SAP, possibilitou o brincar, rompendo as estereotipias dos rituais de aprendizagem, dita formal, que se desenrolam nas salas de aula.

Embora os números indiquem o sucesso do atendimento às crianças, muitas foram as dificuldades com as quais o trabalho se deparou. A proximidade com a escola e a pressão por uma produção rápida foi, talvez, a maior queixa dos psicopedagogos. Querer e poder modificar-se são coisas diferentes.Diante de histórias de vida muitas vezes dramáticas, foi preciso reconhecer os limites da ação psicopedagógica, já que a psicopedagogia não pode constituir-se como remédio para todos os males, nem tampouco o profissional acreditar-se onipotente. Foi preciso estar atento para não incorrer, segundo CORDIÉ(1996), nas duas armadilhas possíveis: a pedagógica e a da bondade. A não existência de modelos de intervenção pré-determinados exigiu supervisão e capacitação continuada dos profissionais pois, o que promove mudanças é o significado que a dupla confere às propostas, e não as atividades em si.

Na instituição escolar, os psicopedagogos foram ocupando o lugar de interlocutor qualificado junto à equipe escolar, aos serviços de saúde e assistência social e às famílias. Nos contatos com os professores, puderam promover e enriquecer discussões sobre o aprender e o ensinar, sugerindo temas e reflexões para as reuniões. Entretanto, a incorporação do psicopedagogo ao quadro da equipe escolar não se deu sem dificuldades e tropeços. A escola, historicamente, lida mal com o não saber. Os contatos com os professores se pautaram por serem propositivos, evitando que os mesmos se colocassem como esvaziados de saber e crentes que os psicopedagogos só tinham certezas.

Partindo do pressuposto que as famílias, provenientes de um meio sócio-cultural desfavorecido, ao se ocuparem com a subsistência não dispõe de espaços para outros investimentos, os psicopedagogos inauguraram em suas salas um espaço/tempo para que as crianças atendidas pudessem ser olhadas por seus pais. A partir desses contatos, surgiram projetos contemplando as relações família-escola, contribuindo para reflexões a respeito das expectativas de uma e de outra instituição e reconhecendo o papel fundante que cada uma delas tem na constituição da subjetividade das crianças.

O atendimento, que inicialmente se restringia aos alunos, foi, aos poucos, ultrapassando as paredes das Salas de Apoio: das entrevistas com os professores, surgiram pedidos de espaço para os psicopedagogos nos horários coletivos; pais sugeriram a existência de outros momentos de encontro para discutir dificuldades. Os psicopedagogos puderam, em cada escola, desenvolver diferentes projetos de trabalho com o coletivo da escola e com a comunidade.

Pode-se concluir que, nas escolas de São Sebastião, foi possível que a Psicopedagogia atuasse como produtora de “tempo institucional”: criando espaços nos quais alunos, educadores e pais pudessem se constituir sujeitos/autores pensantes.


BIBLIOGRAFIA

CORDIÉ, A.- Os atrasados não existem. Porto Alegre, Artmed, 1996.

FERNANDEZ, A.- Psicopedagogia em psicodrama: morando no brincar. Petrópolis, Vozes, 2001.

PAÍN, S.- Subjetividade e objetividade: Relação entre desejo e conhecimento. São Paulo, CEVEC, 1996.

MACEDO, L. in RUBINSTEIN, E. - Psicopedagogia: uma prática, diferentes estilos. São Paulo, Casa do Psicólogo. 1999, pág.67.


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